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Vale das rosas – uma aventura no coração berber do Marrocos

Vale das rosas – uma aventura no coração berber do Marrocos

Marrocos

Visitar o vale das rosas foi uma das melhores surpresas que encontrei no caminho para o deserto do Marrocos. Escondido entre as montanhas e ainda intocado pelo turismo, descobri um vale repleto de rosas e tive a melhor experiência de hospitalidade no país. Conheça essa joia na rota dos 1000 kasbahs.

Um ano antes de viajar para o Marrocos me deparei com a foto abaixo e prometi que visitaria este lugar. Eu precisava da cor rosa nas minhas fotos.

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Separação das rosas[1]

Quando traço uma viagem sempre penso numa paleta de cores bem variada. Busco um pouco de cada paisagem e pessoas que o país tem a oferecer. Gosto da diversidade. Para o Marrocos, no meio de tanto bege, laranja e marrom, apareceu o rosa.

O vale das rosas é o vale do rio Assif n Imgoun, que fica no coração berber entre a cadeia de montanhas Atlas e o deserto do Saara. É assim denominado por ser responsável pela maior produção de óleo e água de rosas do país.

Tanto o óleo quanto a água de rosas são fundamentais na cultura e economia local.

Aqui a etnia e língua predominante é a berber. Kasbahs (palacetes ou fortalezas de barro com no mínimo quatro torres) e casas de barro são um traço inconfundível da arquitetura local e margeiam todo o rio. Viajar por esta parte do país é visitar um Marrocos completamente distinto.

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A variedade de rosa cultivada é a damascena. Elas crescem livres na região, não havendo um campo delimitado. Caminhar pelo vale a procura das rosas é surpreendente.

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A essência doce e pungente pode ser sentida à distância. A colheita das rosas acontece entre abril e maio e foi esse o motivo de eu ter escolhido visitar o vale no começo de maio.

Por falar na colheita, tenho uma história inusitada para dividir com você. Acha que é fácil ver as mulheres colhendo e ainda fotografa-las? Como disse, as roseiras estão dispersas pelo vale. Encontrar essas mulheres e conseguir a autorização para fotografá-las é parte do desafio.

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Todas as manhãs as flores são colhidas por mulheres de cada vila. Para encontrá-las você precisa se aventurar pelo vale.

Elas são muito reservadas e não gostam de sair em fotos. E a explicação para isso é que na cultura muçulmana ser fotografado é perder parte da alma.

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Numa das manhãs sai em busca de alguma dessas mulheres para conversar e fotografar. Encontrei duas conversando e colhendo rosas. Logo que me viram se esconderam.

Atravessei um campo de trigo, ainda verde, e tentei conversar em francês. Nada. Arranhei meu árabe, e nada. Elas falavam apenas berber.

Tentei a linguagem dos sinais e após muitos por-favores e sorrisos, conseguimos uma foto. Porém, sem mostrar o rosto e não podíamos ser vistos pelos homens do lugar.

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Apontei para o saco e demonstrei querer fotografa-lo junto à faca usada para colher as rosas. Pedi para o Lufe segurar o saco e abri-lo, porém o que ele não havia percebido era que o saco na verdade era um tecido quadrado com as pontas unidas.

Resultado, todas as rosas cairam no chão. Morri de vergonha e achei que a mulher ia, literalmente, passar a faca na gente. Dois homens ocidentais querendo tirar foto dela e ainda deixam cair o trabalho de uma manhã toda no trigal.

Ainda que desajeitada, ela sorriu e com calma juntamos tudo.

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Após a colheita, as mulheres levam as rosas para um determinado lugar na cidade onde são pesadas, vendidas e transportadas a Kelaat Mgouna.

Ao chegar nas cooperativas de Kelaat Mgouna, as rosas são separadas para diferentes propósitos, sendo a produção de óleo e água de rosas o principal.vale das rosas, viver a viagem, marrocos, morocco, kelaat mgouna

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Sabe quantos quilos de rosa são necessários para produzir um litro de óleo? Pasme: 5 toneladas! Isso porque há pouquíssimo óleo nas rosas.

Falando em óleo, após sua extração ele se torna extremamente concentrado e puro. A qualidade das rosas é inclusive mensurada pelo seu odor e estágio de floração. 90% do odor que sentimos da rosa vem de menos de 1% dos componentes presentes no óleo de uma flor. Por isso é tão valioso.

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E para retirá-lo, o procedimento é simples. Rosas e água. A água é aquecida e entra em ebulição; o vapor passa pelas pétalas desprendendo seus óleos e compostos, levando-os para um estágio onde será condensado.

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Assim que condensa, água e óleo se separam, são filtrados e estão prontos para serem vendidos puros ou em cosméticos.

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Compramos shampoo, sabonete marroquino e água de rosas para refrescar. Tomamos banho todos os dias da viagem sentindo o cheirinho do vale das rosas, e ainda trouxemos para o Brasil.

Um item barato, local e com um poder incrível de despertar lembranças. Basta sentir o cheiro do sabonete para ser remetido à rotina dos 30 dias no Marrocos.

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E para comemorar a boa colheita, todo ano o vale das rosas celebra o Festival das Rosas em Kelaat Mgouna. Todo início do mês de maio a cidade vira palco para a festividade. As cooperativas abrem suas portas para visitação, há muita comida e música tradicional.

Onde ficar

Estávamos sem carro, porém queria me hospedar em alguma vila no vale das rosas. Dessas que é só adentrar no oasis e achar roseiras. Depois de tanto pesquisar encontrei o Kasbah Ben Ali na vila berber de Ait Gmat.

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Para chegar lá, ou você vem com seu carro ou pega um grand taxi/micro ônibus ao chegar a Kelaat Mgouna.

Havia trocado alguns poucos emails com o M’bark, o proprietário. Não sabia muito o que esperar do lugar pois não tinha foto alguma de Ait Gmat no Google tampouco no site do hotel.

Mal sabia que viveria a melhor experiência da hospitalidade da viagem inteira…

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Provavelmente não haverá ninguém nas ruas quando você chegar. Conosco não foi diferente. Seguimos as indicações e chegamos ao Kasbah Ben Ali. Ele é todo construído de barro, palha e materiais da tradição local.

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Como no Japão, ao entrar dentro de uma casa marroquina você precisa tirar seus sapatos e pegar um chinelo. Regra geral: ande de chinelo por todos os cômodos que não tenham tapetes no chão, quando entrar num cômodo com tapetes ande descalço ou de meias.

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Ao subir as escadas me deparei com a sala mais gostosa que já fiquei para matar tempo. Toda forrada por tapetes coloridos e almofadas.

Alí são servidas todas as refeições e também é o lugar favorito de todo mundo que se hospeda no Kasbah Ben Ali.

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Estirado no chão fiquei bebendo o chá de boas vindas e observando as padronagens dos tapetes enquanto o almoço era preparado.

Por falar em almoço, as refeições no Kasbah Ben Ali foram as mais saborosas e fartas da viagem inteira. Sopas, tagines vegetariana, de frango com limão em conserva, carne com ameixas secas, cuscuz, azeitonas, salada marroquina e frutas. Tudo em abundância, feito para compartilhar e comer com as mãos.

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Você sabia que a sobremesa do dia a dia do marroquino é fruta? Em qualquer lugar que você for e pedir por sobremesa será trago a fruta da estação ou da região. Biscoitos são consumidos com chá e há doces mais requintados que são consumidos em ocasiões especiais.

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Café da manhã delicioso com direito a geleia caseira e amlou (pasta a base de pasta de amêndoas, mel e óleo de argan – nutella marroquino), azeitonas do vale e pães caseiros.

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Repare nas colheres tradicionais. Elas estão nas casas e restaurantes marroquinos. É um item onipresente e um ótimo souvenir. São esculpidas a partir de um único galho.

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Após o almoço do primeiro dia encontramos o M’bark e conversamos um pouco. Ele se chama M’bark Amzil e é um artista nato. O Kasbah Ben Ali fora construído, pintado e decorado por ele. Tudo o que você vê nas fotos tem as mãos dele e da família, com a qual administra o hotel.

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Cada cantinho é permeado de carinho e objetos carregados de história. Esta bolsa pertenceu ao seu avô.

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O hotel é pequeno e tem a quantidade suficiente de quartos para deixar a estada intimista, remetendo à casa de família.

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Em um dos dias que estávamos lá M’bark recebeu a visita de sua tia Zizi e suas duas primas. Contamos sobre o Life by Lufe, projeto do Lufe no qual ele fotografa casas criativas e com alma pelo mundo. Suas primas se olharam e perguntaram se não queríamos conhecer uma casa tradicional que não havia sofrido alteração alguma nos últimos anos.

Ficamos super felizes como essa oportunidade única! A casa pertence à família e eles moraram ali por muito tempo. Por muitos anos Zizi e suas filhas voltavam para o vale das rosas para passar os verões na casa. Hoje está vazia, mas suas paredes ecoam a história da família.

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Fogo no chão e muita fumaça. Acabamos a visita conhecendo como Zizi cozinhava antigamente.

Experiência impagável poder adentrar na história da família Amzil.

Como se deslocar pelo vale das rosas

Se você não tiver carro resta pegar o micro ônibus que sobe e desce o vale, começando o trajeto em Kelaat Mgona e terminando além de Bou Thrarar. Ou, você pode pegar um grand taxi.

Na rótula de Kelaat Mgouna há vários grand taxis que viajam entre as cidades da região, inclusive as do vale das rosas. Os micro ônibus com decoração kitsch, som escancarado e passagem baratíssima que fazem o trajeto Kelaat Mgouna e Bou Thrahar também ficam perto da rótula.

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Bou Thrarar

Uma das últimas cidades do vale das rosas é Bou Thrarar. A cidade se ergue numa encosta do vale e é procurada para caminhadas. O verde do vale é pontilhado por casas de barro e os diferentes tons de marrom se revesam até encontrar numa quebra abrupta o azul vívido do céu.

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No caminho cruzamos com o kasbah em que a mãe do M’bark nasceu, cresceu e viveu um bom tempo. Não cheguei a perguntar, mas imagino que sua tia Zizi também viveu alí.

A cada vez que passava pela frente do kasbah nas idas e vindas pelo vale das rosas imaginava em que casa a família viveu e como era a vida àquela época.

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Repare na segunda linha. A língua berber é escrita da esquerda para a direita e com um alfabeto completamente peculiar aos olhos ocidentais.

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Como chegar

O ponto de partida mais fácil para chegar a Kelaat Mgouna é Ouarzazate. Para saber como chegar até lá, leia o post Ait Benhaddou – um tesouro marroquino.

Se quiser ir para Ait Gmat ou você vem com seu carro ou pega um grand taxi/micro ônibus ao chegar a Kelaat Mgouna.

De carro

Saindo de Ouarzazate siga a rodovia N10 em direção a Tinghir. Kelaat Mgouna fica no caminho; não há como errar.

Se estiver indo com uma agência de turismo ou motorista particular, sugiro fazer uma parada e aproveitar a região. Tive uma experiência fantástica com a Wild Morocco explorando o deserto de Erg Chigaga – veja como foi esta incrível aventura em Erg Chigaga – expedição ao deserto.

Ônibus

Partindo de Ouarzazate, pegue um ônibus da companhia CTM em direção a Tinghir e salte em Kelaat Mgouna.

Grand taxi

Os grand taxis são carros compartilhados que fazem viagens intermunicipais. Geralmente ficam todos concentrados em alguma praça e você só precisa achar o carro certo. Você ou paga por lugar e espera a lotação completar ou paga por todos os lugares e sai com o carro só para você. Um carro leva seis pessoas além do motorista. Se você não se importa em andar espremido como numa lata de sardinha, pode ser uma opção mais barata que o ônibus – que por sinal já é barato.

Referências e Notas Explicativas[+]

About the author

Sou fotógrafo, moro em São Paulo e já estive em 16 países. O Viver a Viagem é meu projeto pessoal e vai além de dicas triviais; quero proporcionar uma imersão cultural e ajudar você a viajar com um olhar diferente.